Abrindo os trabalhos, mostra-se como melhor meio de abordagem do tema tratado no presente trabalho, a indicação e análise dos posicionamentos decisórios emitidos pelos órgãos administrativos tributários e relacionados a presente questão.
Inicialmente, vale indicarmos a decisão emitida pela 3ª Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes, ao apreciar, no acórdão 103-23.357/08 (01), a questão do desmembramento de atividades em duas empresas na mesma área geográfica, objetivando racionalizar as operações e diminuir a carga tributária. Tal decisão entendeu pela possibilidade de utilização da estrutura, conforme se infere da ementa abaixo transcrita:
"SIMULAÇÃO - INEXISTÊNCIA - Não é simulação a instalação de duas empresas na mesma área geográfica com o desmembramento das atividades antes exercidas por uma delas, objetivando racionalizar as operações e diminuir a carga tributária..."
A conclusão diversa chegaria se a fiscalização comprovasse que a empresa desqualificada não mantinha registros e inscrições fiscais próprias, que não possuía quadro próprio de empregados, que não celebrava negócios, que não emitia documentação, que não mantinha escrituração fiscal relativa a seus negócios.
O argumento de que o desmembramento das atividades operacionais teve por único escopo obter economia tributária não é suficiente, por si só, para a desconsideração dos atos e negócios jurídicos realizados com amparo legal.
No entanto, a decisão supracitada é contrária a algumas recentes decisões do Conselho de Contribuintes, que vem manifestando o entendimento no sentido de que a base para a desconsideração de atos eivados pelo abuso de forma reside na ausência de propósito negocial da operação. Isto é, após a edição da norma contida no parágrafo único, do artigo 116, do CTN (03), a intenção seria a de atribuir às autoridades fiscais, poderes para elidir hipóteses de elisão fiscal. Dentre outros, e sob esta ótica, seriam descaracterizados os negócios praticados exclusivamente com a finalidade de economizar tributos, por meio do abuso de forma.
Nesse sentido, é mister transcrever trecho do voto (04) da Conselheira Sandra Maria Faroni, da 1ª Câmara, do 1º Conselho de Contribuintes:
"Não se discute que o empresário pode gerir seus negócios com inteira liberdade, inclusive sendo lícito e até desejável fazê-lo de forma a obter maior economia de tributos possível. Há, todavia, uma diferença entre atuações que objetivam os negócios empresariais e atuações que objetivam exclusivamente reduzir artificialmente a carga tributária. O direito do contribuinte de auto-organizar sua vida não é ilimitado. Os direitos de alguns sofrem limitações impostas pelos direitos de outrem. Atuando dentro da lei, o empresário é livre para gerir seus negócios, mas não para gerir os negócios do Estado. (...)
Dentro dessa ótica, se o negócio lícito, embora não usual, se apoiar em causas reais, em legítimos propósitos negociais, contra ele o Fisco nada pode objetar. Todavia se adotada uma forma de negócio jurídico não usual, sem um real propósito negocial, mas visando apenas reduzir artificialmente a carga tributária, o Fisco a ele pode se opor.
Tal posição reflete uma tentativa de instituir no país a prevalência do significado econômico da transação sobre o ato ou negócio jurídico praticado pelo contribuinte. Com o desenvolvimento da elisão mediante a utilização de planejamentos tributários dos mais diversos tipos, o que acaba acarretando a perda de arrecadação para o Erário em diversos países, as legislações internas, e especialmente as administrações dos Estados passaram a buscar maneiras de combater a diminuição de recursos.
A teoria da consideração econômica ou interpretação econômica, existente no direito alemão no século XIX, sintetizada por Enno Becker no início do século XX, que culminou com a edição do Código Tributário alemão em 1919, e foi reiterada pela Lei de Adaptação Tributária de 1934, tem sido uma das alternativas encontradas para o combate da elisão fiscal.
A base desta teoria está centrada na utilização da finalidade, no significado econômico e na evolução das circunstâncias para a interpretação da legislação fiscal. A interpretação econômica, ainda com supedâneo nas precisas lições de Ricardo Mariz de Oliveira, pode ser entendida como uma espécie de "abuso de forma jurídica", isto é, a substância econômica prevalece sobre a estruturação jurídica (06).
Com a edição da Lei Complementar nº 104/2001, o legislador tentou criar um dispositivo no Código Tributário Nacional (parágrafo único do artigo 116), nos moldes do modelo francês (Artigo 1.741 do Code Général des Impôts e artigo 64 do Livre des Procedures Fiscales), que aproveitasse o conteúdo econômico para fins tributários.
A doutrina brasileira, entretanto, em sua grande maioria, revelou-se contrária a tais métodos de interpretação, sobretudo porque violariam o princípio da estrita legalidade, atualmente previsto no artigo 150, I, da Constituição Federal.
A primeira análise a ser feita em relação ao dispositivo legal em voga está centrada na conduta do contribuinte, isto é, dissimular a ocorrência do fato gerador ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, que ensejaria a desconsideração de atos ou negócios por ele praticados.
Dissimular significa ocultar, encobrir (08). Ora, quer nos parecer que, quando o legislador utilizou o verbo dissimular, ele quis dizer que o fato gerador ocorreu e foi ocultado ou encoberto pelo contribuinte. Se o fato gerador realmente ocorreu, há o surgimento da obrigação tributária, nos termos § 1º do artigo 113 do CTN, e, por meio do lançamento (art. 142 do CTN), a autoridade administrativa competente pode constituir o crédito tributário e cobrá-lo através dos meios pertinentes.
Não nos parece possível deixar a critério da autoridade administrativa determinar quais atos ou negócios jurídicos ela pretende desconsiderar para fins da cobrança de tributos.
Não há como prevalecer a discricionariedade do administrador em matéria tributária em detrimento, até mesmo, da segurança jurídica do contribuinte.
Diante disso, mesmo após a edição da Lei Complementar nº 104/2001, tanto o comando contido no parágrafo único do artigo 116 quanto a teoria da consideração ou interpretação econômica dificilmente terão lugar no Direito Tributário brasileiro, em vista da existência do princípio da legalidade contido em nossa Constituição Federal.
Por esse motivo, andou bem o acórdão nº 103-23.357/08, ao afirmar que a argumentação da fiscalização, no sentido de que o desmembramento das atividades operacionais teve por único escopo obter economia tributária não é suficiente, por si só, para a desconsideração dos atos negociais realizados ao amparo da legislação em vigor.
Há que se provar a ocorrência da simulação (15) (artigo 149, VII, do CTN (16) ou da dissimulação (artigo 116, parágrafo único do CTN, desde que os procedimentos sejam estabelecidos em lei ordinária) para que seja aplicável a desconsideração dos atos ou negócios jurídicos pelo Fisco.